Verdade e consequência

Deixei Aretha segunda feira pela manhã na porta de sua casa na UNESim com a promessa de que ela me ligaria assim que falasse com Thales. Ela não quis que eu ficasse para participar da conversa que teria com o irmão. Eu não gostava nada disso, mas respeitei sua vontade.

Ainda a fiz prometer que não deixaria Thales falar nada para Alanis antes de mim. Mas, de tudo... Eu me perguntava de que modo falaria com seus pais. Não conseguia projetar esta cena na minha cabeça, por mais que me esforçasse, pois há alguns meses eu encontrei dificuldade em falar sobre o namoro de nossos filhos. 

Eu esperava agoniado. Quando o telefone tocou, já estava ao lado para atender.
– E Então? – Perguntei aflito. – Como foi?
– Eu sabia que Thales aceitaria numa boa, apesar de todas as piadas que tive que ouvir. – Fiquei curioso, mas não perguntei. – Ele acha que eu devo falar sozinha com eles, Jack... Como fiz hoje.

– Está fora de questão, anjo! Na verdade preferia que você nem estivesse presente... – Eu não queria que pensassem que faria Aretha de escudo, contra o que quer que pudessem me falar.
– Eu disse que estaria do seu lado. Eu vou estar. Mas não vou discutir com você se acha que deve ser você mesmo a contar.

– Não posso me esconder atrás de você, anjo. Entenda... Eu seria um covarde.

Novamente.

Agi de forma impensada. Não conseguiria ligar e marcar dia e hora. Tentei a sorte, ou o azar, e fui até a casa dos Webber. Não esperaria por Aretha. Ela não merecia presenciar isso.

Subi na sacada, não havia umidade na minha boca. Ela parecia ter ido parar toda em minhas mãos. Toquei a campainha e aguardei.

Foi a própria Tara quem abriu a porta pra mim.
– Jack?! – Ela exclamou surpresa. Não era para menos. O que eu estaria fazendo ali? Do nada, sem avisar...
– Oi, Tara... Eu... Posso entrar?

– Err... Claro... – Apesar de confusa, Tara abriu um sorriso.
Porque ela tinha que ser tão simpática? Essa sua cordialidade chegava a ser irritante.
– O Mark está aí? – Tentei perguntar o mais casualmente possível.

A minha pergunta pareceu confundi-la ainda mais.
– Não, ele... – Ela precisou de alguns segundos para se lembrar. – Ele foi visitar a Tia Marlene no hospital... Ela não está nada bem...
– Ah... – Eu poderia ter escolhido pior hora?

Talvez fosse melhor que Mark não estivesse. Ou não. Não sei. Eu já estava ali. Não ia adiar mais. Respirei fundo.
– Você queria falar com o Mark? – Tara perguntou me tirando a concentração.
– Err... Não... Quer dizer... – Meu Deus! Como se começa uma conversa destas?

Traguei ar outra vez. Agora um pouco mais e quase engasguei.
– Tara. Olhe... Não existe jeito fácil de falar isso pra você. Aliás, não existe jeito nenhum! Mas é preciso... – A medida que cada palavra saía de minha boca, a expressão de Tara ia ficando mais indecifrável, eu não podia esperar mais. – Eu me apaixonei pela Aretha.

Não durou mais que 15 segundos. Mas o alívio que senti era incontável. Em compensação, eu o traduzi em desespero para Tara.
– Você o quê?!?!?! – Ela gritou, arregalando os olhos. Eu não me lembro da última vez que vi Tara gritar. Aliás, não sei algum dia ela já havia gritado com alguém.
– Eu sei que parece horrível... Mas...

Ela me interrompeu desta vez esbravejando:
– Parece horrível?! Parece horrível?! Você não pode estar falando sério! Eu não posso acreditar que você veio até minha casa fazer uma brincadeira idiota destas comigo, Jack! – Tara parecia fora de si, e eu não podia tirar sua razão.

– Eu não estou brincando! Eu sou mesmo um idiota, mas você sabe que nunca faria uma brincadeira destas, Tara... Eu... – Mas que droga! – Não sei o que dizer... Não há desculpas para isso, mas é como estou. E tenho tanta certeza disso que estou aqui falando pra você. Estou perdidamente apaixonado pela sua filha.

Os olhos de Tara marejaram.

– Como você pôde? – Tara caiu em prantos. – Como você teve coragem, Jack?! É uma menina! É minha filha!

A pergunta me doeu. Como eu pude? Eu não sabia responder. Mais uma vez, lá estava Jack Miller, magoando Tara Roberts. Agora, talvez sem nenhuma chance de perdão.

O que eu poderia falar, a não ser dar desculpas esfarrapadas? Eu sou um homem de 43 anos e sabia que podia ter evitado a aproximação da garota. Mas meu egoísmo, tomado pela sensação de felicidade que ela me transmitia me impediu de fazê-lo.

Ela então continuou seu desabafo, repleto de amargura e rancor.
– Porque está fazendo isso comigo, Jack? Porque está me castigando mais de 20 anos depois?
– Ah, Tara... Não! Não fale assim... Não é nada disso.

– Não? O que é então?! – Sua irritação voltou. – Está querendo algum tipo de “revival”? Por Deus, cresça! Deixe o que ficou lá atrás, coloque um “band-aid”!
– Não tome isso pra você, Tara, não é justo. Você sabe que não estou transferindo nada... Está sendo presunçosa! – Acusei.

Tara tentou se controlar:
– Você disse que ela estava segura com você... – Falou com uma mágoa imensa.
– Ela está segura comigo! – Respondi firme.

Senti a mão de Tara arder na no meu rosto. Esperei tomar outro, mas o tapa não veio.

Ela estava chorando outra vez.
– Deixe-a, Jack... Não a faça sofrer.

Eu não disse mais nada. Tão pouco falou Tara, e eu me retirei. Aquele pedido acabou com o que restava da minha auto-estima. Mas apesar de tudo, diante de toda a situação, eu havia tomado a atitude correta. Precisava preparar Aretha para o que ela iria enfrentar.