sábado, 15 de janeiro de 2011

Epílogo

Olhando para trás, posso me dizer um homem orgulhoso de minha família e, porque não assumir, de mim mesmo.


Meus velhos amigos, pouco mudaram. Uma ruga ou fio de cabelo branco a mais, sem maiores danos. A vida estava sendo generosa com todos nós.


Ana continuava a encantar a todos com suas atuações impecáveis nos cinemas, mas cancelou contratos com outros trabalhos. Seu rosto continuava na mídia, embora com muito menos frequência. Ela preferiu dedicar grande parte de seu tempo a seu casamento. Sorte de Alessandro.


A família nova que eu havia ganhado era divertida afinal, contrariando tudo que eu sempre julguei ser. E devo admitir que até mesmo Mark, tinha algum senso de humor.


Ele e Tara eram avós zelosos e dedicados e, assim como eu, tinham tempo de sobra. Sempre que podiam, me roubavam Aimeé. Não posso culpá-los, pois para mim, era quase impossível conseguir me desgrudar da pequenininha.


Thales terminou o curso de Artes Plásticas com a sorte de ter Eve Wells como Patronesse de sua turma. Eve gostava de investir em novos talentos, e apostou firme em meu cunhado, que correspondeu além de suas expectativas, tendo seu trabalho recebido elogios de curadores e colecionadores renomados internacionalmente.


Alanis, que havia se formado no ano anterior em Biologia, estava agora fazendo uma pós-graduação em Ecologia e Preservação Ambiental. Ela e Thales já haviam ficado noivos, como sinal de compromisso, mas não haviam marcado datas.


Sempre que perguntávamos o motivo, Thales brincava: “Sem pressão! Sem pressão!” Mas no fundo sabíamos que ele era o mais ansioso. Foi Alanis quem pediu que esperassem ela terminar o curso e começar a trabalhar.


Gabriel continuava suas andanças pelo mundo, sempre acompanhando Parnila. Ele e a médica estavam juntos agora. Ele contou que foi ela quem tomou a iniciativa, diante de sua indecisão. Ele a achava “muita areia pro seu caminhão”.


“Tinha medo que ela achasse petulância da minha parte e não me quisesse mais ao seu lado. Eu não suportaria. Um dia ela simplesmente entrou no meu dormitório, decidida. Eu nunca a tinha visto com os cabelos soltos e sem os óculos.”


Pelo visto, Gabriel tinha se achado de diversas formas: o porquê de sua música, sua vocação em se doar, seu dom para promover o bem, mas parecia que sempre precisava de uma “mãozinha” quando se tratava de seu próprio coração. Menos mal que a médica soube o que fazer.


Júlia era uma mulher multi-tarefas. Sempre foi, desde quando cuidava de mim, da casa e de Ana. E agora, embora eu tivesse lhe dado um alívio, havia o Arthur. Mas ela não abandonou seu trabalho e Hélio continuava a frente dos negócios de seu pai.


Depois de muito conversarmos, Aretha havia retomado seu curso de engenharia na UNESim. Ela estava muito dividida quanto a isso, pois sempre gostou de estudar, mas descobriu a delícia de ser mãe e tinha muita resistência em deixar Aimée. Acabou concordando em voltar com calma, fazendo poucas matérias para se dedicar a ambos.


Não me afligia mais o “Senhor Sorriso”, mesmo que agora ele já ocupasse o cargo de professor. Não só porque sentia minha insegurança gradativamente indo embora, mas também porque eu fiquei sabendo que ele finalmente estava namorando alguém. Aparentemente uma de suas alunas.


Aimée e Arthur estavam frequentando o “maternalzinho”, por insistência de Aretha e Júlia. As duas acreditavam que eles precisavam ter uma educação orientada, aprender a dividir e ter contato com outras crianças. Mas somente meio período – e essa parte foi exigência minha –, o restante do dia eles passavam comigo.


A vantagem de ter Arthur sempre tão próximo, é que eu podia mimar Aimée da mesma forma. Isso contrariava Aretha, que dizia ser errado fazer-lhe todas as vontades. Eu sei que ela estava com a razão, mas era mais forte que eu. Os dois me faziam de gato e sapato.


Quando ela brigava comigo, eu respondia coisas do tipo: “Eu também te dava sorvete antes do almoço, quando você vinha passar o fim de semana, e você não achava nada ruim...” Ela perdia o argumento e só podia mesmo franzir o nariz.


A vida com Aretha continuava tão imprevisível quanto ela própria. Tão imprevisível como encontrar passagens para Veneza embaixo do travesseiro, ou o meu tênis novo secando no forno de microondas.


Como foi imprevisível nossa banda tocar junta novamente. Mas aconteceu: a produtora nos convocou para fazer um show comemorativo dos 25 anos de sucesso dos Hell’s Messengers.


Então eu pude desfrutar de várias sensações. A tensão divertida dos ensaios para que tudo saísse perfeito, as lembranças dos bons tempos de viagens e turnês. A concentração no camarim e o frio na barriga antes de entrar no palco.


Mas dessa vez havia uma sensação nova e maravilhosa. Dessa vez eu entrava motivado como nunca, a dar o meu melhor. Não porque aquele provavelmente seria o último show da banda, mas porque havia alguém especial na platéia, cujos olhos de ônix estavam voltados somente pra mim.


Se alguém, algum dia tivesse feito a previsão da minha vida hoje, eu jamais acreditaria. Mas se eu voltasse no tempo, consciente, eu esperaria 20 anos novamente para encontrá-la.


Fim



sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

“Paivô”

Até parecia que eu nunca tinha passado por isso. Não sei por que era Aretha quem estava tão calma, e eu estava nervoso e perdido. Não sabia se a pegava no colo pra descer as escadas, se apanhava as bolsas prontas há dias no quarto do bebê, se ligava pro obstetra... Onde estavam as chaves do carro?!


– Calma, J! – Pediu Aretha. – Eu posso descer as escadas... Subi agora há pouco sozinha! Liga para o Doutor Otávio, tá bom?.

Ela estava me dando um banho em matéria de tranquilidade. Como era possível? Sempre imprevisível. Sempre.


Fiz como ela pediu. Enquanto Aretha descia devagar e cuidadosamente as escadas, eu liguei para o obstetra e avisei que estávamos indo pra maternidade. Depois acordei Gabriel e pedi que ele descesse com as bolsas, eu precisava achar a merda das chaves!


Eu havia comprado um carro novo e maior, desde que soubemos do aumento da família. Usávamos pouco, porque ainda éramos só nós dois. Mas fomos nele pra casa da Júlia, e não conseguia me lembrar onde tinha largado as chaves.


Gabriel já tinha descido com tudo e voltado, e eu ainda revirando os armários.
– Pai! – Ele exclamou. – Vai no Audi. Já coloquei as bolsas lá. Eu vou de taxi atrás de vocês!


– Ah, tá bom, obrigado, meu filho... – Mas subitamente mudei de idéia. – Não! Pegue o conversível. Ele é seu agora.
– Tá louco? Seu carro de estimação?


– Eu não tenho espaço para um terceiro carro, e não tenho coragem de dar aquele carro pra mais ninguém...
– Mas pai, eu vou embora e...


Fomos interrompidos por um berro que vinha do primeiro andar:
– Jaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaack?!?!?!
– To descendo, Anjo! – Gritei de volta.


Depois voltei para o Gabe:
– Não temos tempo pra isso agora, a gente se encontra lá, ok?
– Estou logo atrás de vocês... – Foi a sua resposta.


Quando chegamos ao hospital, Dr. Otávio já nos aguardava muito calmo como era seu costume.
– Soube que sua bolsa já estourou, não é, mocinha? É melhor nos apressarmos.
– Eu vou poder assistir, doutor? – Perguntei. Queria muito estar com ela nesta hora.


– Jack, a direção do hospital tem políticas rigorosas quanto a isso. Eles não permitem que nenhum parente assista ao parto, porque muitas vezes a pessoa não aguenta as cenas e desmaia. E não podemos largar mãe e bebê pra atender quem quer que seja... Mas alguém da equipe pode filmar se desejarem.

Eu estava decepcionado, mas não havia nada que eu pudesse fazer.


Aretha seguiu com o médico para o quarto onde as enfermeiras a preparariam para levá-la a sala de cirurgia. Eu fui até a recepção preencher as fichas e assinar os papéis. Entregava todos para a recepcionista quando Gabriel chegou, praticamente junto com Tara e Mark.


– Onde ela está? – Perguntou a mãe preocupada.
– Levaram ela para o quarto, ainda devem estar lá, é o 111.


Tara sumiu no corredor. Mark olhou pra mim sem dizer nada, mas seu rosto implorava por alguma notícia.
– Ela está bem. Está tão tranquila que parece que já passou por isso mil vezes. – Respondi sua pergunta muda.


Mark relaxou a expressão facial, então pensei ser uma boa hora pra fazer graça.
– Em algumas horas você vai ser avô. Como está se sentindo?
– Esperançoso que o bebê puxe a minha filha. – revidou com bom humor.


– Eu também...

Minha língua afiada não parecia mais a mesma. Mark não estava esperando esse tipo de resposta, e o seu sorriso de gratidão me desconcertou.


– Eu... Errr... Porque não vamos até o quarto? – Sugeri. Queria dar um beijo em minha mulher antes dela dar à luz.
– Claro, Jack... Vamos lá... – Ele respondeu. Com certeza queria se despedir também.


Gabriel preferiu esperar na recepção e nós chegamos no quarto quando ela estava saindo.
– Já estão me levando, J. – Não havia insegurança em sua voz. Que mulher era Aretha!


Beijei seus lábios de leve, tentando não deixar ela sentir o quanto eu tremia de ansiedade.
– Eu te amo. Estarei esperando vocês...


Mark esperou calmamente eu terminar para abraçá-la. Nenhum dos dois precisou pronunciar palavra. Os olhares e a energia que aquele gesto gerou, falou por si só, e vi os olhos de Mark transbordarem.


Voltamos para a recepção para aguardar e me deparei com Gabe abraçando Alanis que acabava de chegar acompanhada de Thales. Por alguns segundos me distraí tentando imaginar como meu filho estaria se sentindo agora.


– Como está o Cabeção? – Thales perguntou quando nos viu.
– Não chame sua irmã assim, Thales, é horrível! – Tara repreendeu.


– Pô, mãe, num esquenta! Ela “mermo” não num liga! Cadê ela?
– Já entrou... – Mark respondeu.


– Ah, coroa! – Exclamou Thales abraçando o pai! – Vovô, heim?! Que emoção!

Compreendi ali, porque Mark não se abalava com minhas piadas.


Nesse momento, a porta de entrada se escancarou mostrando Hélio com a expressão angustiada que gritou para dentro, sem mirar alguém ao certo:
– Por favor! Eu preciso de um médico! Agora!


Hélio voltou correndo de onde veio e eu corri atrás dele, que provavelmente nem tinha me visto ali.
– O que aconteceu? – Perguntei desesperado ao me deparar com a imagem da minha filha desfalecida no banco do carro.
– Jack? O quê... – Ele provavelmente ia perguntar de onde eu surgi, mas não importava agora. – Eu não sei!


– Ela pediu pr’eu ajudar ela a levantar, ela queria ir ao banheiro...Mas assim que a botei de pé, ela desmaiou. Ela já tinha desmaiado antes, mas desta vez ela não acordou! – Ele olhou ao redor. Nossos amigos já nos cercavam, atônitos. – Onde está a droga do médico, meu Deus!
– Me ajuda aqui! – Pedi.


Com o auxílio de Hélio, Mark, Gabe e Thales, peguei minha filha no colo e caminhei pro interior do hospital e quando entrei pela recepção, o enfermeiro já vinha com uma maca pra levá-la.


– Não consegui falar com o Dr. Otávio, Jack! – Hélio disse inconformado, após Júlia sumir pelo corredor.
– Isso é porque ele está fazendo o parto de Aretha neste exato momento.


– E agora? Quem vai socorrer a minha mulher?!

Eu estava atordoado, talvez até em choque.
– Calma, Hélio. Eles têm bons profissionais aqui. – Ouvi Mark tranquilizá-lo. – Algum deles vai cuidar bem de Júlia.


Mas a verdade é que nenhum deles tinha acompanhado todos os problemas de Júlia durante a gestação como fez o Doutor Otávio. Eu me aproximei da recepcionista e tentei explicar a situação da forma mais clara possível apesar de todo o meu nervosismo.


Depois, a moça re-transmitiu tudo a uma enfermeira. Então voltou-se para mim.
– A enfermeira me garantiu que o Doutor Otávio vai tomar ciência de tudo. Com certeza ele saberá o que fazer. Enquanto isso, por favor, tente se acalmar.


Conseguir me acalmar parecia algo inatingível naquele momento. Minha mulher dando à luz e minha filha grávida, desacordada. Quem poderia ficar calmo? Nem o Mark parecia estar calmo! Como eu conseguiria?


Ninguém nem se sentou. Eu e Hélio andávamos em círculos debilmente, com certeza deixaríamos uma marca no carpete.


Não sei quanto tempo se passou até eu avistar a cabeleira ruiva do obstetra surgir no final do corredor. Foi na direção dele que eu corri e Hélio me seguiu. Ao me avistar, ele já fazia gestos para me tranqüilizar. Porque as pessoas acham que é tão fácil?!


– Está tudo sob controle! – Ele disse.

Não era o suficiente. Como assim, “tudo sob controle”? “Tudo sob controle” como?


– Nós já tínhamos iniciado o parto de Aretha quando tomei conhecimento da entrada de Júlia, ela ficou na sala bem ao lado, e designei um médico de minha inteira confiança para prestar o primeiro atendimento a ela enquanto terminava com sua esposa.


Ele fez uma pausa antes de continuar:
– Nós reanimamos a Júlia, Hélio, mas infelizmente não pudemos mais esperar.
– Como assim? O que quer dizer com isso? – Perguntei atropelando o médico.

Pelo silêncio de Hélio, deduzi que ele havia entendido.


– A pressão dela estava muito instável, era muito arriscado tentarmos manter o bebê em sua barriga. Poderíamos perder os dois. Não tínhamos nem como trabalhar com possibilidades, pois não pudemos fazer um histórico de pré-disposição para doenças, já que Júlia desconhece seus pais biológicos.

Porque as palavras dele pareciam não fazer nenhum sentido? Porque simplesmente não falavam nossa língua quando mais precisávamos?


– Doutor Otávio – eu tragava uma tonelada de ar a cada palavra –, seja mais claro por favor!

Hélio respondeu antes, com uma tristeza profunda em seu olhar.
– Eles a operaram, Jack, uma cesariana. Talvez Arthur não esteja pronto.


– Talvez. – O médico ponderou. – Mas era nossa melhor chance. Seu filho está na UTI agora, bem assistido. As primeiras 24 horas são muito importantes, para sabermos como ele vai reagir. Júlia também ficará, só por precaução, mas seu estado é menos preocupante, permanecendo assim até amanhã, podemos transferi-la para um quarto normal.


Doutor Otávio voltou-se para mim:
– Seu bebê nasceu bem, Jack. A enfermeira já irá chamá-lo. É uma linda menina. Aretha daqui a pouco estará no quarto. Mas Arthur e Júlia não poderão receber visitas hoje. – Ele fez uma pausa. – Eu lamento.


Aquela afirmação me rasgou ao meio. A metade feliz ansiosa em pegar minha “bebezinha” no colo e encher minha mulher de beijos. A metade triste arrebentada com o sofrimento de minha outra filha e de meu neto prematuro, tão pequeno e frágil.


– Eu preciso voltar, ainda estamos com Júlia na sala de cirurgia. Vim apenas dar notícias porque sei que estavam aflitos. Assim que terminarmos, volto a falar com vocês. – Disse Doutor Otávio.


Depois ele saiu. Eu e Hélio permanecemos em silêncio algum tempo, tentando resgatar alguma energia para assimilar as informações.


Até que uma enfermeira surgiu – aparentemente do nada – na minha frente.
– Senhor Jack Miller? Vamos até o berçário? O senhor já pode ver sua filha.

Eu desejei em vão, que ela pudesse estar se referido às duas.


Olhei estarrecido para Hélio, que colocou a mão no meu ombro em apoio e me incentivou:
– Vamos, lá, papai! Não deixe passar o momento... Não vai adiantar nada...


Avisei a todos e fomos até o berçário. Eu, Hélio, Gabe, Mark, Tara, Thales e Alanis. Sete adultos completamente enfeitiçados por aquele pedacinho de gente do outro lado do vidro.


A enfermeira a pegou e colocou em meu colo, como há muitos anos havia sido com Gabe. Muito menos desengonçado e com platéia desta vez, eu aninhei a pequena bem juntinho ao meu corpo, e constatei com prazer, que ela tinha os olhos e o nariz da mãe.

– Olá, Aimée, seja bem-vinda! Eu sou o seu pai.


Mark perguntou se poderia segurá-la. Eu não precisava responder. Apesar de não querer soltá-la nunca mais, cedi-a ao avô, e ele a pegou com o cuidado que se pega uma flor. Não tinha mais volta. A família Webber havia se misturado eternamente à família Miller em sangue, concretizado na semelhança entre avô e neta de forma incontestável.


– Lindo nome, Jack! Não poderia ser mais adequado.
– Foi sua filha quem escolheu. – Respondi.

Mark estava de costas pra mim, mas tenho certeza que ele sorriu.


Tara se aproximou para brincar com Aimée ainda no colo de Mark. Eu estava louco para levá-la até Aretha, mas não ousaria interromper aquele momento.


Depois Mark voltou a afagá-la, e com um beijo despediu-se, antes de me entregá-la.
– Você é linda, Aimée... Tão linda quanto a sua mãe...


Mark e Tara optaram por nos dar um pouco de privacidade, insistindo que eu levasse Aimée sozinho para o quarto de Aretha. Em contra proposta, Mark prometeu que iria procurar Doutor Otávio junto com Hélio, para ter notícias de Júlia e Arthur.


Entrei direto, sem reparar em nada, só queria encontrar o olhar de Aretha. Precisava abraçá-la e beijá-la. Precisava muito. Mas provavelmente ela queria mesmo era saber de Aimée.


Assim que me viu, ela se ajeitou na cama, parecendo querer levantar. Eu a coibi.
– Pode ficar onde está, mocinha!
– Eu estou me sentindo ótima, J...

De fato, ela parecia muito bem.


– É mas isso não apaga os pontos que você tomou...
– Quero pegá-la, Jack... Ninguém vai me impedir...

Quem seria o louco que tentaria?


Ela se pôs de pé, e eu não ofereci resistência entregando Aimée a sua mãe.
– Você não precisava levantar, Anjo... Eu poderia deitá-la com você.
– Eu já disse que estou ótima. – Revidou enquanto segurava o bebê com destreza.


Só então eu pude reparar no quarto. Estava repleto de flores. Além disso havia balões, bonecos de pelúcias e caixas e mais caixas de presentes. Por alguns segundos eu me perguntei de onde veio aquilo tudo.


Mas então me dei conta: Mark. Isso era a cara dele! Esteve o tempo todo ali solidário comigo, mas não deixou passar um detalhe! Eu me lembraria de agradecer, não havia pensado em absolutamente nada! Menos ainda depois do que houve com a Júlia.


– Sei que é corujisse minha... Mas ela é tão linda... – Disse olhando Aimée nos olhos. De ônix, idênticos aos seus.

Eu estava disperso. Será que Mark havia conseguido falar com o Doutor Otávio?


– O que houve, J?
– Hã? – Ela me pegou desprevenido. Demorei para improvisar. – Eu só tô...

Não consegui completar.


Aretha tragou ar e colocou Aimée no berço. Nesse momento, eu já sabia que não haveria como esconder dela.
– Jack... Você prometeu não me mentir mais... Até porque você faz isso muito mal, devo te dizer...
– Eu só queria te poupar, Anjo... Só isso. Não fique chateada comigo...


– Não estou... Mas para quem estava extasiado com a idéia de ser pai novamente, você me parece muito frustrado, se você entrasse com essa cara sem Aimée nos braços eu juro pra você que só pensaria o pior.


Meus ombros se curvaram frente à minha agonia. Baixei minha cabeça, não consegui encarar Aretha e mostrar ainda mais meu sofrimento.
– Júlia passou mal e está na UTI. Arthur nasceu prematuro e também está em tratamento intensivo.


Minhas pernas fraquejaram e eu só não me deixei tombar porque senti os braços de Aretha ao meu redor.
– Ah, Jack! Eu sinto tanto!


– Desculpe, amor, não tenho forças pra sorrir agora.
– Você não precisa... Só não tema me contar as coisas... Somos um casal, J. Quantas vezes preciso te dizer isso?


Aretha me beijou. Era o beijo que eu ansiava desde que a levaram para dar à luz. Um beijo com efeito sedativo, que aliviou momentaneamente minhas angústias.


– Porque você não descansa um pouco?
– Não quero descansar, Aretha. Quero notícias... Boas, de preferência... – Desejei.

Ouvimos uma batida na porta.


Aretha pediu um minuto para vestir o roupão e depois autorizou quem batia a entrar. Era Tara, seguida de Gabe, Alanis e Thales.
– Mark pediu para te chamar. Ele e Hélio estão com o Doutor Otávio agora.


Dei um beijo leve em Aretha, lamentando deixá-la naquele momento.
– Não demoro...
– Está tudo bem, J. Estarei aqui, torcendo pela Jú e pelo Tuti.


As notícias não eram muito diferentes, apesar de o médico estar um pouco mais otimista. Ao que parecia, Júlia sairia da UTI dentro da previsão. O quadro de Arthur não se alterara, poucas horas haviam se passado, mas isso já era um bom sinal.


Após ouvir atentamente o relatório do obstetra, eu decidi seguir o conselho de Aretha e descansar. Deitei-me no sofá do quarto e apenas apaguei. Nem o entra-e-sai de visitas e os burburinhos conseguiram atrapalhar meu sono. Eu estava mesmo exausto.


Descobri que tinha dormido demais quando ouvi a voz de Aretha me chamando, suavemente:
– J... Doutor Otávio está aqui.


E abri os olhos para constatar que era já noite novamente.
– Quanto tempo eu dormi? – Perguntei enquanto me ajeitava no sofá.
– Quase 12 horas... – Ouvi Aretha responder.


Eu me levantei reclamando:
– O quê? Porque me deixaram dormir tanto?!

Foi o próprio Doutor Otávio quem respondeu:
– Jack, sei que você tem preocupações com a Júlia e o Arthur, mas estou dando alta a Aretha e o pediatra já deu a Aimée.


– Júlia está bem assistida, e vai deixar a UTI. Não há nada que você possa fazer por Arthur agora. Mas posso garantir que a estabilidade em seu quadro é um bom sinal. Você não precisa ficar de prontidão no hospital. Vá para casa, descanse e cuide de Aimée.


Doutor Otávio estava com a razão. Aimeé, recém-nascida, precisava de mim. Mas como pai, não poderia escolher entre uma filha e outra. Aretha esperou o médico sair para falar.
– Jack, sei que eu estava apavorada com a idéia de ser mãe e acabei deixando você preocupado. Mas estamos bem, eu e Aimée... Minha mãe não se incomodaria em ficar estes dias lá em casa pra me ajudar, nós vamos nos virar direitinho...


Foram dias críticos. Eu queria me dedicar integralmente a Aimée, colocá-la em cima da minha barriga, fazer-lhe cócegas. Mas a dor que sentia por Júlia e Arthur me impedia de ficar longe do hospital. Agradeci a Tara por ter ido lá para casa. Havia sido uma bobagem dispensar os serviços de uma babá ou enfermeira, mas eu nunca pensaria em ter este tipo de problema.


Júlia estava bem de saúde, porém com os nervos em frangalhos, aguardando mais ansiosa que nós, o momento de ter Arthur fora de perigo em seus braços. Sorte ela poder contar com tanta gente ao seu redor. Tanto nós, quanto os Silvestre, estávamos sempre lá, fazendo companhia, buscando informação e torcendo incessantemente.


No final do terceiro dia, veio a notícia boa: Arthur saiu da UTI. Ainda não podíamos pegá-lo, mas vê-lo, mesmo que por trás da caixa translúcida da incubadora, já era um grande alívio, como se a energia de nossas presenças pudessem ajudá-lo de alguma forma.


Talvez tenha mesmo ajudado, ou talvez fosse o nome escolhido, talvez a fé, talvez a genética, ou até mesmo talvez a conjunção de fatores, não importava. Quase uma semana no hospital e Arthur estava livre da incubadora, no colo de Júlia, que agora sorria com o rosto encharcado pelas lágrimas de felicidade extrema.


E a vida pode voltar ao normal.


Aretha estava se saindo muito bem. Para uma mãe “newbie”, Aimée não tinha muito do que reclamar. Principalmente nos quesitos dedicação e carinho.  É claro que ela passou alguns apertos, mas nada muito grave.


A verdade é que Aretha precisou muito pouco da minha ajuda para realizar desde as tarefas mais fáceis como dar uma mamadeira, até as mais complicadas como tentar acalmar uma crise de cólica, e enganar o sono, passando pelos banhos e trocas de fraldas.


Ana veio conhecer a prole, é claro. Ela parecia feliz, mas quando foi que ela não pareceu, com aquele seu sorriso tão expressivo? Ainda nos falamos sempre e a amizade entre a gente só cresce, mas ela continua a saber muito mais de mim do que eu dela.


Gabriel já tinha voltado para o trabalho de campo, mas frequentemente mandava e recebia notícias. Pedia fotos e queria saber de tudo: quando deram o primeiro sorriso, se havia nascido algum dentinho, se estávamos ensinado os pequenos a falar “Gabe”. “É um nome fácil”, justificava-se.


Em uma de suas ligações, também contou sobre como foi estar de novo com Alanis:
– Apesar do momento totalmente complexo e inoportuno, eu me senti bem, tranquilo... Ela continua a mesma Alanis, e eu o mesmo Gabe. Você tava certo, pai, não vou querer esquecê-la nunca! Mas não foi doloroso como pensei que pudesse ser.


Apesar da dedicação de Aretha, eu não estava apenas disfarçado de paisagem. Sempre ajudava no que ela permitia, principalmente aquelas tarefas em que ela não apresentava a menor habilidade. Normalmente todas que incluíam o fogão.


Além disso, fazia o possível para deixá-la dormir quando finalmente conseguia. Aimée teimava em acordar e chorar nestes momentos. Acho que ela não queria se desgrudar da mãe. Então eu a pegava no colo e ia passear com ela no jardim.


Não importava a hora, se víamos nuvens, ou se víamos estrelas. O importante pra mim era o calor do seu corpinho no meu peito. O cheiro gostoso que sua pele emanava, e o balbuciar de suas palavras incompreensíveis. Podia chamar aquilo de paraíso.


Eu também descobri um novo “hobby”, e acabei por virar o fotógrafo “oficial” da minha família. Qualquer gracinha era motivo para um novo “clique”. E assim ia montando e distribuindo álbuns.


Apesar de “tia” e “sobrinho”, Aimée e Arthur eram “irmãos de nascimento”. Acompanhávamos o desenvolvimento dos dois, e embora fosse prematuro, meu neto já tinha alcançado minha filha em peso e altura. Era um guerreiro e um vencedor.


Ambos estavam crescendo cercados de amor, carinho e atenção, por todos os lados. O importante pra mim, era estar a maior quantidade de tempo possível por perto, não perder um minuto, porque eu sei, por experiência própria, que o tempo é implacável.