sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Feliz Ano Novo!

Aretha e Tara discutiram. Eu soube só porque pressionei muito Aretha para me contar. Ela estava apática desde que entrara no carro. Eu queria estar com ela, sei que a recíproca era verdadeira mas não queria que essa chateação continuasse.


– Podemos esperar e viajar em outro momento, Anjo.
– Que outro momento, J? Olha... Talvez ela se conforme, mas não acho que ela vá aceitar tão cedo, então... Lamento... Se ela quer que seja doído. A opção é dela...


– Mas isso te afeta também, Aretha. Nem poderia ser diferente!
– Eu não quero mais falar nesse assunto, J. Só quero pensar na nossa viagem.


– Então por favor, me dê um sorriso... Não suporto ver você assim.


Aretha obedeceu. Eu devolvi o sorriso pra ela.
– Já decidiu pra onde está me levando?
– Você não me pediu uma surpresa? É surpresa, ué!


Ela me deu o prazer de ver sua careta. E ficou perguntando o quanto faltava até finalmente chegarmos.


Era uma casa pré-fabricada, na frente cercada por um florido jardim. Os fundos davam para o mar.
– Que lindo, J! – Ela exclamou ao sair do carro.


– É sua? – Perguntou.
– Não, mas se você gostar... Pode ser nossa.


Ela abriu um sorriso de orelha a orelha e pulou no meu pescoço. Mas não disse nada.


Esperei ela terminar seu abraço e a encarei.
– Eu estou falando sério, Aretha.
– Eu... Eu não sei o que dizer...


– Nem precisa, Anjo. – Eu imaginei que pudesse a ter constrangido.
Ela me abraçou.
– Não! Não tente interpretar minha reação... Eu não esperava! Mesmo, Jack! Eu te amo tanto...


– Eu só queria... Que seus pais entendessem. Só isso! Porque é tão difícil? É a única coisa que está me impedindo de me por de joelhos e te pedir em casamento, Aretha. Sei que parece precipitado, sei que você é muito nova e entendo perfeitamente que seja muito cedo pra você. Respeito e espero o tempo que for, mas... O fato é que... Eu nunca tive tanta certeza de alguma coisa em minha vida.


Aretha tentou esconder mas não conseguiu. Seus olhos estavam encharcados. Ela abaixou o rosto.
– Nunca vou pedir que faça essa escolha, Anjo. Eu prometo. – Na verdade não era nem necessário.


Eu sentia que a conhecia tanto, que no fundo eu sabia que ela já tinha escolhido, mas isso lhe custava muitíssimo. Eu nunca tive dúvidas, e Thales só tinha deixado tudo ainda mais claro a respeito da relação amorosa que aquela família mantinha. Desde sempre.


Eu estava no papel de desagregador. Por alguns segundos eu desejei não ter nascido. Mas àquela altura eu também não queria abrir mão do que sentia, porque – eu já disse isso – nunca havia sentido o amor desta forma por ninguém. Nem mesmo por sua mãe.


– Ei, Anjo... Vamos entrar? Como você vai saber se gosta se não viu por dentro?
Ela assentiu em silêncio, e enxugou o rosto.


– É perfeito, J. – Aretha exclamou quando entramos. A voz ainda estava engasgada, embora soubesse que ela estava sendo sincera.
Eu precisava fazer alguma coisa pra dar uma levantada nos ânimos.
– Que tal a gente dar uma volta por aí? Conhecer o vilarejo um pouco? Comer e comprar bobagens?


– Está falando como “Tio J” agora...
Pelo menos ela sorriu.
– Bem, ta aí uma coisa que eu não tenho como deixar de ser.


– Hummm – Ela se aproximou. – Me leva pra passear então, “tio”... – Disse num tom provocativo.


Fizemos como eu sugeri. Saímos para dar uma volta a pé pelo local, paramos para comer em barraquinhas e adquirimos lembrancinhas para levar de presente.


Depois de muito de caminhar, nos sentamos em um banco de praça. Antes que eu piscasse, Aretha já tinha se empoleirado no meu colo.
– Quero ir pra casa... – Pediu.
– Já cansou?!


– Eu não faço o tipo atlético...
– Nem um pouco, Anjo. – Eu ri.


O nariz franzido apareceu, mas antes que eu pudesse continuar a implicância, duas senhoras – talvez da idade da minha avó – passaram e me tiraram a concentração, quando ouvi o diálogo:
– Esses pais hoje em dia! Que coisa mais estranha! Agarrando a filha desse jeito!
– Ai, Odete! Você malda tudo! Acho linda essa demonstração de afeto familiar!


E continuaram a caminhar, enquanto eu tentava assimilar. Aretha ria.
– Qual das duas é mais louca? – Perguntei. – Eu estou nitidamente namorando você na praça, não estou?
– Bom... Se alguém tinha alguma dúvida...


Aretha se enroscou em mim e me beijou. Agora era eu que tinha pressa de ir para casa.


Não deu nem tempo de chegarmos no quarto. Fizemos amor no tapete da sala, e ali mesmo Aretha adormeceu em meus braços.


Eu a peguei cuidadosamente no colo e carreguei para o quarto, no andar de cima. Depois a deitei na cama. E então fiquei ali. Apreciando ela dormir. Exatamente como um anjo. Meu anjo.


No dia seguinte fomos à praia. Mas não na nossa praia particular. O dia estava lindo, e como ainda não havia nada em casa pra comer, resolvemos pegar um sol antes de fazer uma visita ao mercado, para abastecer a geladeira e a dispensa.


Mas a idéia não foi das melhores. Não que eu pudesse prever encontrar pessoas idiotas na praia, num lugar tão desconhecido e sem badalação.
Aretha estava grudada em mim de alguma forma, como de costume. Não estou reclamando. Ter ela me acariciando o tempo todo era delicioso. Embora isso sempre me desse vontade de ir embora com ela de onde quer que eu estivesse, para um canto particular.


Pois bem... Estávamos assim, deitados apreciando a manhã na areia quente, quando dois garotos – que eu já tinha notado nos observar à distância – vieram em nossa direção.


Um deles carregava um cigarro apagado na mão, e parou na nossa frente, perguntando para Aretha:
– Tem fogo aí, gata?
Ela muito educadamente respondeu, sem nem se dar ao trabalho de olhar:
– Ah, não, desculpa, a gente não fuma...


O outro garoto abriu um sorriso dissimulado.
– Ah, gata... Sabe que fogo não serve só pra acender cigarros, né?
– Pelo visto, fogo é o que não falta aí... – Completou o “do cigarro”.


Eu me pus de pé com uma destreza ímpar.
– Ok! Se manda! – Ordenei. – Os dois!
– Ih! Calma aí, tio!

Eu estava calmo. Ele não me viu nervoso.


Aretha também levantou. Os caras com certeza estavam atrás de confusão.
– Ah, tio! Tu num dá conta! Confessa, vai... Olha a energia da menina!
Aretha preferiu ignorar a provocação.
– Vamos embora, J... Temos um monte de coisa pra fazer ainda...


Nós começamos a catar as coisas para deixar a praia, mas os garotos continuavam.
– Se bem que... Hoje em dia... A tecnologia tá a favor dos coroas, né? Viagra, prótese, bombas de proteína...
– É porque só açaí com guaraná num deve resolver isso não!

E riam de suas piadas imbecis. Calculei minhas chances. Eu podia quebrar os incisivos dos dois com um golpe só, mas não estava a fim de sair nos jornais novamente, nem de passar meu réveillon numa delegacia.


Nós caminhamos em direção a calçada, ainda ouvindo as provocações. Eu juro que estava no limite do meu autocontrole.

– Ah, tio, “qualé”? Vai levar o filezinho embora? Não dá pra dividir com agente não, assim você não fica tão cansado...
– Nem corre o risco de enfartar... Ou pior... Falhar na hora! – O outro emendou e gargalhou.


Eu com medo de perder minha razão, Aretha perdeu a paciência dela antes, e voltou num impulso tão rápido que eu não tive tempo de reação.


Ela avançando furiosa e eu voltando atrás... Não ia suportar se um deles colocasse um dedo que fosse nela. Eu pensei que Aretha fosse sentar a mão na cara de um. Mas não.


Ela parou e tomou ar. Então começou a falar calmamente:
– Na verdade... É ele quem acaba comigo. Eu fico tão exausta, que preciso pedir pra ele parar... Mas ele não pára... – Ela gemeu, como se lembrasse o momento.


– Então eu penso que não vou aguentar, e no fim... Ah, meu Deus! – Ela se contorceu. – Acabo mesmo desmaiando em seus braços...


Nenhum deles estava esperando por isso e ouviam, chocados, ela continuar:
– E sinceramente, mesmo que ele estivesse disposto a me dividir... Vocês iam morrer de vergonha... Nem que juntassem os dois, conseguiriam me fazer perder o fôlego como o “coroa” ali me faz. – Ela desviou o olhar para a sunga dos garotos. – Hummm, definitivamente, não.


Eu também estava parado escutando. Pasmo.
– Agora, desculpe, deixar vocês assim, mas tá na hora, sabe? Se eu não fizer meu strip-tease diário, corro o risco de perder meu posto pra outra ninfeta... – E fez uma expressão de desdém.


Depois virou de costas e partiu dali, se dando apenas ao trabalho de me indagar:
– Vamos?

Nem ousei desobedecer.


É claro que foi tudo um enorme exagero, mas eu gostei da performance dela de todo jeito.
– Desculpa... – Ela pediu quando já estávamos dentro do carro, a caminho do mercado.
– Pelo quê?


– Fui impulsiva outra vez... Agi sem pensar... Podia ter metido você numa confusão... Por causa de dois imbecis... Que ódio!
– Bem, se eles tocassem em você, com certeza não seria nada bonito... Mas você foi ótima!


– Não fui... Falei como uma vadia...
– Foi espirituosa, Anjo...


– Fui como a loira que você repudiou! Jack, eu não sou assim, eu juro! Mas fiquei com tanta raiva...
– Aretha, pelo amor de Deus! Então você acha que eu não conheço você?


– Desculpa. Estou com vergonha... Vulgarizei meu amor.
– Não, não... Apenas exagerou um bocado! – Impliquei. – Mas ainda assim, vou querer meu strip-tease.


Seu rosto agora estava corado.
– Nem exagerei tanto... – Ela sorriu com timidez.
– Não diga isso, Anjo. Sabe que meu ego infla e não vai caber dentro do carro.


Fiquei feliz ao ver seus lábios se alargarem, então concluí:
– Eu te amo, Aretha. Exatamente como você é. Vamos ter que nos acostumar com esse tipo de coisa daqui em diante. Apenas não se chateie, tá legal?


Depois daquele episódio, optamos por ficar muito mais em casa, saindo apenas para o que fosse realmente necessário. Como tomar um sorvete no calçadão. Tá bom! Isso não era essencial, mas era delicioso.


Assim como um banho numa cachoeira bem escondida e pouco frequentada – uma dica dada pelo Gordo, que conhecia essa vila litorânea desde a infância.


Tentei ensinar Aretha a velejar. Mas não fui bem sucedido nesta tarefa. Ela se mostrou tão hábil quanto era em dirigir automóveis. Aliás, quase acabei com minha BMW por insistir em achar que o problema dela estava no instrutor.


Apesar de poucos, foram dias felizes e intensos. A melhor parte era ficar enroscado em frente à lareira, fazer amor na areia, no mar, ou qualquer lugar, não importava, pois nesses momentos nos encaixamos tão perfeitamente, que eu não podia dizer onde eu terminava e onde ela começava.


Na noite da virada de ano, nos arrumamos como para uma festa, e descemos pra nossa praia particular. Tínhamos espumante, lagosta, a terra e o mar. E o céu como testemunha.


Dançamos e brindamos nosso futuro. E invadimos o novo ano fazendo amor sob os fogos que se misturavam às estelas saudando a sua chegada.


Se eu tivesse direito a um pedido, seria que aquele momento fosse infinito. Se eu a saciava tão repletamente quanto ela havia dito, ela me completava de maneira inata. Surreal, controversa, absurda. Eu ainda não tinha encontrado a palavra que pudesse definir Aretha. Provavelmente jamais irei.


Dois dias depois voltávamos pra SimCity, com ela reclamando que havia engordado horrores. Na minha modesta opinião ela estava melhor. Mas nem me atrevi a dizer. Fiz o que todo homem deve fazer em momentos como este: fingir que não estava ouvindo.


Entrei com ela em sua casa no Campus, para ajudar com as bagagens. Eu nunca entendi porque mulher precisa carregar tanta mala.
– Pode deixar no meu quarto, J? Vou preparar alguma coisa pra gente comer.

Eu nem estava com fome.


Encontrei Aretha e Alanis na cozinha, cochichando e dando risinhos.


– Acho que não vou comer nada, Anjo. Vou pra casa... Tenho que desfazer minha mala, saber da Júlia e do Gabriel... E parece que vocês querem botar o papo em dia...
– Ah não, J! Rapidinho eu faço um lanche...


Alanis sentou-se a mesa comigo.
– Como foi de “virada”? – Perguntei.
– Muuuuuuito legal! Fomos pro Chateau. O Hélio convidou.


– Correu tudo bem?
– Está querendo saber se Gabe criou barraco desta vez?

Ela foi direto no ponto.


Eu fiquei constrangido. À bem da verdade, não era da minha conta.
– Bom...
– Ah, Dindo! Não esquenta! – Alanis desculpou minha intromissão. – Acho que você não conheceu a Duda direito... – Sorriu.


– Não tive oportunidade ainda...
– Ela mantém o Gabriel bastante ocupado... – Havia um certo sarcasmo em sua voz. Esperei que ela completasse o que queria dizer. – Ela solicita ele o tempo inteiro. Não faz nada sozinha... Ele é quase uma babá.


Eu ri. Gabriel mal sabia cuidar de si mesmo. Alanis prosseguiu:
– Tipo... Ela nem arruma a própria cama, Dindo! Não sabe lavar um copo. Ela deve ter sido mais mimada que ele. Nós todos tivemos muita sorte... Sempre ganhamos tudo que quisemos... Minha infância foi bem diferente da do papai. – Ela tinha razão. A infância de Marley não foi das mais fáceis. – Mas isso não é motivo pra eu não saber trocar uma lâmpada, ou varrer o meu quarto.


– Mas sabe... Eu vi que ela vai ser de grande ajuda pro Gabe, Dindo. – Continuou. – Porque acho que ele vai ter que aprender a se virar de qualquer jeito. Por ele e por ela. Não deixa de ser um aprendizado.
– Você lembra tanto o seu pai, Alanis! Sempre tem algo realmente importante pra falar.


Ela sorriu novamente. Aretha surgiu com um prato de rosquinhas ao mesmo tempo em que Thales aparecia na cozinha. Era quase uma festa.
– Eu vim pelo cheiro! – Disse animado.
– Nem adianta! Fui eu que fiz. – Aretha respondeu.


– Mas o cheiro está ótimo mesmo... – Elogiei.
– J, Culinária também é arte e eu já falei mil vezes que sou péssima nisso.


– Você é ótima em outras coisas, Anjo! – Eu a puxei para o meu colo.
– É! Tipo... Matemática! – Ela disse irritada.


Aretha se levantou e pegou a bandeja.
– Deixa eu provar... Não posso dar minha opinião se eu não comer! – Eu pedi.
– Vou servir vocês. – Ela se justificou.
– Ela é assim mesmo... Quer elogio, J! Também não vou dar! – O irmão provocou.


Não era um primor de rosquinha, mas também não estava ruim.
– Está uma delícia! – Elogiei.
– Mentiroso! – Os três disseram juntos.


– Hey, Jack! Cabeção falou que você gosta de correr no calçadão. – Indagou Thales.
– Ah, é verdade! Corro pela manhã...


– Pô, tipo... Quer companhia? Eu tava correndo no ginásio, mas a praiana é bem mais maneira!
– Claro, Thales!


– Então formou! Só se liga... Pra não comer areia...
– Ah! Tá legal! – Desdenhei. – Quando você nasceu eu já tinha asas nos pés, garoto!