quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Obrigado, Papai Noel!

– Ah!

Foi a única coisa que consegui dizer ao telefone, após Aretha dar a notícia de que seus pais programaram passar o Natal no Chalé. Não que eu achasse que poderia rolar uma ceia comigo, Tara e Mark sentados na mesma mesa, mas pensei de pegar Aretha mais tarde, depois da meia noite. Aquela viagem complicava pra caramba as coisas.


Eu nunca conheci o Chalé. Mas sempre detestei aquele lugar mesmo assim, porque foi o palco mais-que-perfeito para Mark fazer suas encenações amorosas para Tara. Tá bom, isso nem cabe mais... Eu tinha outro motivo pra não gostar dele agora.


– Eu não vou! Não vou! Não podem me obrigar. Estão fazendo isso de propósito! Eu tenho certeza! Nunca passamos o Natal no Chalé. Porque isso agora?
– Não acho que seja isso, Aretha. A gente pode se ver um ou dois dias depois. Não tem problema... – Tentei ponderar apesar de compartilhar a mesma raiva.


– Mas eu não quero, Jack... Que droga! Quando é que eles vão entender?
– Eles vão... É só ter... Paciência. – Mas eu mesmo estava começando a perder a minha.


Despedi-me de Aretha na antevéspera de Natal. Mas não a trouxe aqui pra casa. Preferi uma noite num lugar diferente, com direito a champanhe e o que mais ela quisesse.


– Você não pode fazer assim, J... Me dá menos vontade ainda de viajar amanhã.
– Deixe de ser boba... Olha, Natal é uma festa para se passar em família, Aretha. Não acho necessário, a gente brigar com seus pais por causa disso. Deixa por réveillon. A gente faz uma farra, que tal?


– Promete? Eu vou cobrar...
– Pode cobrar, Anjo... Eu também vou querer cobrar a prenda que você ainda me deve.


– Se quiser, pode começar a cobrar agora...

Eu comecei. Foi ela que provocou.


Cheguei em casa cedo pela manhã e Júlia já estava de pé, pra lá e pra cá, tentando organizar as coisas. Ansiosa.
– Muito bonito! Diz que quer ajudar e sequer dorme em casa! – Reclamou quando me viu entrar.
– Desculpe, filha, mas...


– Ok. – Ela me interrompeu. – Não quero saber dos detalhes... Vai ajudar ou não?
– Vou, claro!


Enquanto enlouquecíamos Claudinete na cozinha, Júlia me contava quem havia confirmado presença. Além de Hélio, Gabe e Duda, Marley viria com Carmita e Alanis, como todo ano.
– Ronaldo falou alguma coisa?
– Sim, ele também vem, com a Clarissa. A Maria não vem. A Rosa convidou para o Chalé.


– E porque Alanis não quis ir?
– Ah, pai... Você conhece a Alanis...


Sim. Conheço. Alanis sempre foi muitíssimo apegada à família. E de certa forma, nós também fazíamos parte dela. Acho que Thales a conhecia o suficiente para entender. Mas e ela ? Entenderia a ausência de sua madrinha?


– Herman? – Perguntei receoso.
– Pra variar, não confirmou.

Sempre o Herman.


– E... – Ela fez uma pausa, pois tinha certeza da minha reação. – Victória e Sandro.
– Ah não, Júlia! Ainda mais depois de tudo que aconteceu!


– Pai! O Gabe tava há um tempão em Lyon! Poxa vida! Não queria fazer ele ter que escolher, se poderíamos estar todos juntos...

O pior é que Júlia estava certa. Por mais que eu detestasse a idéia. Suportar a Vivi por algumas horas seria um sacrifício razoável.


Estava muito frio, mas não nevou. A lareira acesa deixava o ambiente aconchegante. Era muito bom receber os amigos numa noite como aquela. Eu estava curtindo apesar da ausência de Aretha. Nem liguei pra piadinha de Victória sobre idade do lobo ou outra bobagem qualquer. Ela estava curada, mas continuava sendo a Victória.


Faltava pouco para meia noite quando meu telefone tocou. Era Ana.
– Feliz Natal, J.
– Oi, Ana... Feliz Natal!


– E aí? Tudo bem? Como vocês estão?
– Nós?


– Ora, Jack! Então você acha que eu não vou falar com Júlia e Gabriel diretamente? É claro que estou falando de vocês dois. Você e Aretha. Está tudo bem? Eu vi os jornais.
– Nós dois estamos bem, Ana... Você é tão surpreendente! Aquele dia, da última vez que esteve aqui... Porque foi atrás dela?


– Porque pra variar, eu “estou mais do seu lado que você”, como diz a música!
– E sempre certa a meu respeito... O que foi que disse pra ela?


– Bem... Se ela não te falou, não serei eu. Foi assunto de mulherzinha... Mulherzinha sim, Candinha, nunca! – Pude ouvir sua sempre doce e agradável gargalhada do outro lado da linha.
– Eu não perguntei pra ela, Ana.


– Ótimo. Significa que não tem a menor importância, e mesmo assim funcionou.
– Você é mesmo incrível.


– É. Eu sei... – Ela riu novamente. – Deixa eu falar com os meninos, vai! Quero falar com minha afilhada também.
– Um beijo, Ana.


Passei o celular pra Júlia primeiro. Sem querer ser pedante, sei que ainda deve ser difícil para Ana. Por isso ela não estava aqui. Mas esse tipo de coisa a tornava mais admirável. Seria tão fácil amar a Ana. Porque não podemos escolher?


Estava tudo perfeito. A ceia, o vinho, as conversas, os abraços, a troca de presente. Gabriel esteve se exibindo o tempo todo, mostrando Duda e seu sotaque de biquinho. Alanis parecia ignorar um pouco a garota. Era divertido.


Até a campainha tocar, Claudinete atender, e Herman entrar coma as mesmas criaturas daquele dia do jantar. Pelo menos elas estavam um pouco mais cobertas desta vez.


Claudinete voltou pra sala e eu cumprimentei os três sem conseguir disfarçar meu sorriso amarelo. Com certeza Herman devia ter ficado esclerosado. Aquilo era o fim da picada!


– O que pensa que está fazendo?! – Rangi quase quebrando meus dentes, na tentativa de fazer ele entender o quanto tinha passado dos limites, sem deixar no entanto as “moças” ouvirem.
– Ué! Eu não fui convidado? – Ele respondeu baixinho.


E no mesmo tom seguiu a discussão.
– VOCÊ, Herman! – Frisei.
– Elas estão me acompanhando... Queria que eu as deixasse por aí?


– Herman, isso é uma reunião de família! Por Deus! Meus filhos estão aqui, a minha afilhada!
– “Pera” lá, loirão! As meninas não são filhas de chocadeira, não! De mais a mais... Eu tô vendo que uma parte do canil já ta aí... Olha ali a Vivi. – Ironizou.


– Ah! Por Deus, Herman!
– Você quer? Nós vamos embora...


– Não seja cruel, sabe que eu jamais te expulsaria da minha casa. Por mais inconveniente que você seja!
– Então me deixe cumprimentar seus convidados... – Respondeu já de saída do hall, com seu séquito o seguindo.


Eu observava incrédulo, ele apresentar as “primas” às pessoas surpresas na sala. Estava tomado de raiva por ele fazer isso. Ele ouviria tanto no dia seguinte! Talvez eu quebrasse seu nariz.


Quando Victória me fulminou com seu olhar, decidi que era o momento de sair dali. E fui para o jardim.


Plantei-me no chão frio. E ali fiquei. Não sei por quanto tempo. Mais do que o suficiente pra sentir as extremidades dos meus dedos tão duros que talvez quebrassem se batessem em algo.


Logo ouvi um estalo baixo, poderia ter sido minha coluna vertebral rachando. Mas era Alanis, que se aproximava. Não tinha uma boa expressão.
– Deslocada? – Perguntei.
– Não. Só com saudade. E você?


– Um pouco de tudo... Eu acho.
– Incomoda se eu ficar aqui com você, Dindo?


– Claro que não, meu bem. Só vou te avisar... Está frio aqui!
– Ah, tudo bem...


Alanis sentou-se junto a mim, enquanto eu tirava minhas costas da grama gelada.
– Tio Herman não tem jeito, né? Está chateado com ele?
– Tive raiva. Mas vai passar. O frio está contribuindo, congelando meu cérebro.

Ela sorriu.


– Vamos ser cunhados... Já pensou nisso?

Não. Não havia pensado nisso. Não fiz projeções e aquela pergunta me atormentou. Porque não fiz? Porque não vi futuro nesta relação? Porque receio um noivado desde o dia que Tara largou as alianças na minha escrivaninha? Ou porque no fundo, não acreditava que uma garota tão jovem, bonita e inteligente não iria querer desperdiçar sua vida ao meu lado?


– Mesmo assim ainda vou exigir que me respeite e obedeça como Padrinho. – Respondi.
– Ah, Dindo! Até parece! – Ela riu mais ainda.


Era engraçado trocar figurinhas sobre Thales e Aretha com Alanis. Acabamos por confirmar o quanto os dois irmãos eram amigos e cúmplices. Tanto nos momentos de festa, quanto nos momentos de dor.


– Dindo... – Alanis me interrompeu de repente. – Vamos voltar? Estou mesmo congelando aqui fora!
– Vamos... – Antes que eu tivesse um AVC.


Nós nos levantamos e nos dirigíamos para a porta dos fundos que dava para o jardim onde estávamos, quando a mesma se abriu revelando Gabriel e Eduarda, que caminhavam meio que se embolando, aos beijos e abraços.


Eles pararam ao nos ver.
– Errr... Oi. – Disse Gabe fingindo sentir vergonha. – A gente tava indo dar uma volta no jardim...
– Ah... Claro... – Respondi.


– Cuidado só pra não virar picolé! – Alanis disparou. Pensei ter sentido um leve tom de sarcasmo em sua voz. Mas pode ter sido só impressão.
– Está bem frio mesmo... – Emendei.


– Isso não me preocupa. Posso nos manter aquecidos. – Provocou Gabriel.

Eu queria não participar daquilo. Mas não tinha jeito.

– Vai na fé! – Alanis desejou, mas não sei se sinceramente.


Nós nos cruzamos em direções contrárias. Eu me senti mais aquecido ao entrar.
– Hum... Bem melhor! – Constatei.
– Na verdade... Sinto falta do meu cobertor de orelha... – Disse ela sorrindo.

Eu também sentia do meu.


– Quem sabe a gente tenta se conformar com a lareira?
– É, quem sabe...


Mas quando estávamos caminhando para sala onde ainda se encontravam meus convidados, a campainha tocou.
– Pode ir, Alanis, deixa que eu atendo... – Sinalizei.


Abri a porta para ver Aretha pulando em cima de mim. Ela deveria fazer aula de circo. Era um talento desperdiçado.
– Feliz Natal, J!

Thales ria, parado atrás dela.
– Vai com calma, Cabeção! Assim você quebra a coluna do seu namorado!
Se eu ainda estivesse no jardim, isso poderia mesmo acontecer.


– Feliz Natal, sua... Sua... Pimenta! Você não tem jeito!
– Porque tudo eu? O Thales também veio! Só eu que tomo bronca?


– Porque eu tenho certeza que foi idéia sua! – Exclamei.
– Ela praticamente me arrastou! – Ele tentou se justificar.


– É... E você nem queria vir... – Implicou. Devia ter uma lei que a impedisse de fazer essa cara. Eu juro que não é possível! Se ela soubesse disso, eu estaria perdido. Não teria nada que ela não conseguisse de mim.
– Pior foi a cara de pau, J! Eu tive que dar a “boa” notícia pros coroas! Opa! Foi mal aê... É só jeito de falar! – Ele riu, sem jeito.


 – A parte dela foi só a “se ele vai, eu também vou!”. – Continuou.
– Você sabe que eu viria sem você. Só que se você dirige...
– Por que você não dirige? – Fui tomado de uma curiosidade súbita.


 Thales soltou uma sonora gargalhada.
– Porque ela é um perigo pra qualquer coisa que anda!
Lá estava a careta linda outra vez.
– Pergunta descabida, J! Eu já disse que não tenho destreza nenhuma... Sou desajeitada com tudo que envolve habilidade manual.

Eu tinha uma opinião diferente quanto a isso, mas... Melhor não comentar.


– Bem, vou procurar a Lá... Ela ainda tá aí, não tá?
– Tá sim... Na sala com os outros...


Thales saiu, nos deixando sozinhos.
– Você é tão impossível... Tão absurda... Você ainda vai me deixar maluco um dia, juro que vai...


– Ué? Mas não é essa a intenção? – Brincou. – Te deixar maluco é minha especialidade!
– Isso! Abusa! Você tá certa, eu sou mesmo um boboca apaixonado...


 Ela se pendurou em mim de novo.
– Errado. Você é o MEU boboca apaixonado lindo de morrer!


Aretha se debruçou e me beijou. Não me importou que as pessoas na sala tivessem uma bela visão da entrada. Depois dos dois agarrões que ela me deu, quem se incomodaria com um beijo de língua?


– E o meu presente? Você trouxe? – Eu me antecipei. Sabia que ela ia me perguntar sobre o dela.
– Está comigo... Mas só posso te dar quando estivermos sozinhos... E eu? Vou ganhar algum?


Eu resolvi apelar...
– Bem, eu te comprei um conversível hidramático, mas não quero me sentir responsável pela morte de ninguém...
– Tão engraçadinho, você...


– A gente pode ir no Wall Mart e tentar trocar por uma bicicleta. É mais seguro... Pelo menos pro outros.

Era uma delícia provocá-la só para ver aquele nariz se retorcer.


– Vamos entrar? Eu quero cumprimentar as pessoas, J. Não perdi minha educação. Ainda! – Disse afetada.

Linda e nervosinha.


– Se você está pronta pra enfrentar...
– Já está todo mundo olhando pra gente mesmo! Que diferença faz?

Não sei. Tinha pensado em fugir com ela de volta pro jardim, mas Gabe lançou mão desse artifício primeiro.


Já era público – principalmente para todos que estavam ali – mesmo assim não deixava de causar desconforto. Não em mim, tenho certeza que em Aretha também não, mas em alguns naquela sala, sim.


Os olhares estavam voltados pra nós, óbvio. Aretha abriu um sorriso e com toda naturalidade desejou:
– Feliz Natal, galera!


Os outros responderam quase em coro. Alguns ainda com a expressão confusa, outros com careta de reprovação. Mas a grande maioria absorveu tudo com um sorriso e isso foi bem tranquilizador.


Aretha então voltou sua atenção para mim.
– Viu? Nem foi tão ruim... Com exceção da mãe do Gabe, que eu acho que quer te matar...
– Ela não me preocupa. – Não mais.


Ela chegou bem pertinho pra me dizer:
– Pronto... Agora que já fizemos as honras podemos subir para eu te dar seu presente.


Minha perna tremeu. Eu me reequilibrei.
– Acha que consegue esperar até os convidados irem embora?
– Posso tentar... Ou, posso expulsar todos também... Não sei...

Ela estava melhorando nisso, olha...


– Faça um esforço. – Pedi. – Eu te recompenso.
– Acho bom! Você sabe que eu vou cobrar.

Eu sabia.


A presença das duas loiras não passou despercebido por Aretha. Eu notei sua curiosidade mas, estranhamente, ela nada perguntou.


Fizemos sala, continuando a conversar e beber com os convidados. Estava tarde a beça, mas era tudo tão agradável, que ninguém se preocupava que era quase manhã de Natal.


Aretha me pediu licença alegando precisar ir ao banheiro.
– Você se incomoda se eu não descer mais? Esse vinho, me deixou meio tonta...
– Claro que não, Anjo... Eu te encontro daqui a pouco... Assim espero.


Em menos de uma hora quase todos já haviam ido embora. Júlia e Hélio estavam dormindo. Gabe e Duda ainda se agarravam. Agora no meio da sala. Mas hoje eles ficariam aqui em casa. Eu não precisava me preocupar.


Eu estava me despedindo de Herman e as duas “primas”.
– Acho que você não deveria dirigir... – Disse para o meu amigo, preocupado que estava com seu estado de embriaguez.
A loira tatuada, que não consigo nunca lembrar se é a Jéssica ou a Jasmim, se antecipou.
– Eu vou dirigir... Nenhum dos dois tem condições.


– Você está bem mesmo? Eu posso chamar um taxi e pedir para o Reginaldo levar o carro mais tarde.
A garota se aproximou demais de mim. Muito mais do que eu gostaria, enquanto Herman e a loira do outro “jota” saíam pela porta da frente.


– Eu estou ótima! Fiquei sóbria a noite toda, esperando ter uma chance com você... Pensei que ela tivesse te dado o fora aquele dia no restaurante. Pelo visto, me enganei. É a mesma do telefonema, não é? Notei pelo seu jeito...

Eu olhava pra ela com cara de idiota. Eu não tinha percebido nada.


Como é possível? Fiquei cego? Notar estas coisas costumava ser tão fácil pra mim... Como eu estava desconcertado ao ouvir aquilo agora? Ainda bem que Herman e a outra já estavam distantes o suficiente para não escutar. Ela continuou:
– Mas eu posso voltar outro dia, sabe... Não tenho problemas de pai, mãe, horário e essas coisas...
– Desculpe... Errr...


– Jasmim... – Ela me ajudou.
– Certo, Jasmim. Olha... Eu não faço idéia do que você está falando...


– Ora Jack, vamos! Eu sei que você não é nenhum bobinho... E sei o quanto deve estar sendo complicada essa sua “relação”... Então, se você quiser... Digamos... Se divertir... Dá uma ligada... – E colocou um cartão no bolso da minha calça, aproveitando para deslizar sua mão por onde fosse possível. Involuntariamente eu me retorci.


Depois saiu antes que eu pudesse articular qualquer coisa entendível. Thales já estava atrás de mim.
– Saia justa heim, J!


Eu tomei um susto.
– Hã?!
– Bem, a loira é um avião, mesmo... Só me parece... Bom... Deixa pra lá...


– Nem me fale! Meu Deus! O Herman é sem noção! – Exclamei, enquanto procurava por minha afilhada. – Cadê a Alanis?
– Foi ao banheiro.


– Não querem mesmo ficar e dormir aí? O quarto de hóspedes está arrumado.
– Pode deixar que a Alanis vai dirigir, “tio J”! Ela não bebeu nem uma gota...


– Mas deve estar cansada... Vocês vão viajar de volta pro chalé?
– Não! “Fica tranks”... Vou aproveitar que Aretha vai dormir aí e vou levar Alanis lá pra casa... Assim podemos variar um pouco do meu quarto...


– Ela continua sendo minha afilhada, Thales! – Eu repreendi.
– Ah, tudo bem, “tio”! Eu posso fazer mas não devo falar. – Ele riu daquele seu jeito malandro.


– Eu não tenho mesmo moral nenhuma! – Constatei. Mais para mim do que para ele.
– Claro que tem, Jack! Você é “O Cara”. Sabe... Quando a gente era pequeno, meu pai ficava bolado quando eu passava o “findi” aqui, depois chegava em casa e dizia que quando eu crescesse, queria ser igual a você. Só fui entender o porquê quando li o livro dele.


– Aretha nunca se interessou em ler? Ela é tão curiosa...
– Ela vai ficar furiosa d’eu te dizer isso, cara... Mas ela é meio frustrada com esse lance de “veia artística”. Eu acho que o Cabeção não se conforma... Então sempre fingiu desinteresse pela carreira da coroa. Por outro lado, mamãe nunca forçou a barra. Acho que ela sacou, entende? Ela tem um feeling do “caramba”!


– E ela nunca soube? Ninguém nunca comentou?
– Ah! Minha irmã deve ter ouvido alguma coisa em algum lugar, algum dia. Superficialmente. Mas nem se ligou, como eu. Só depois eu fui sacar a extensão da coisa, mas...


– No final de tudo – prosseguiu –, meu pai sempre ficava esquisito, mal-humorado, quando o assunto era você. E cara... Minha irmã é completamente louca pelo velho. Eles são muito ligados, entende? Até porque ela é muito parecida com ele.

Agora eu estava mais do que ciente do quanto isto tudo estava sendo doído para ela. Aretha não queria ser o muro entre mim e Gabriel. E eu jamais poderia ser entre ela e o Mark. Era algo urgente a ser resolvido.


Alanis chegou e nos despedimos, após eu insistir mais uma vez para que ficassem. Mas os dois pareciam aflitos demais.
– Vamos ver o sol nascer na praia, Dindo! – Alanis tentou justificar a pressa.


Subi para encontrar Aretha dormindo em minha cama nova – presente da Júlia – como um anjo. Eu não tive coragem de acordá-la apenas para saciar meus desejos, apesar de saber que ela compartilhava dos mesmos.


Fui até o banheiro, escovar meus dentes. Lembrei do cartão que Jasmim me deu. Piquei em pedacinhos, joguei na privada e dei descarga.


Voltei para o quarto após tirar a roupa e deitei ao lado de Aretha tomando um cuidado enorme para mover o colchão o menos possível, mas não teve jeito.


Ela abriu os olhos e se revirou. Eu a envolvi.
– Volta a dormir, Anjo. Ainda não amanheceu...


Ela não me deu ouvidos. Virou-se e começou a me beijar. Disse meia dúzia de obscenidades no meu ouvido e deslizou seus lábios pelo o meu pescoço. Eu sabia que ganharia agora meu presente de Natal.


Acordamos muito tarde no dia de Natal. Não havia mais ninguém em casa.
Júlia, Hélio, Gabriel e Eduarda foram para o chateau dos Silvestre. Claudinete e Reginaldo entraram de férias. Ainda estávamos na cama, tomando coragem para levantar.


– Já decidiu onde quer passara o réveillon, Anjo?
Tamanha era a preguiça, que Aretha nem abriu o olho pra responder:
– Vou pra qualquer lugar, contanto que seja com você, J.

Apesar do poder daquela declaração, eu senti tristeza em sua voz.


– Está tudo bem, Aretha? Pensei que ficaria mais animada com a nossa viagem de fim de ano...
– Jack... Se eu te fizer uma pergunta, você me promete responder sinceramente?


A entonação que ela usou me preocupou.
– Prometo, claro.
Ela fitou meus olhos antes de verbalizar:
– O que tem entre você e aquelas loiras que pareciam muito íntimas do tio Herman?


Que pergunta era aquela? De onde ela tinha tirado? Será que só eu mesmo não percebi?
– Absolutamente nada, Aretha.
– Mas vocês já se conheciam?


Aretha voltou a se aconchegar no meu peito, enquanto eu me concentrava em tentar descobrir o motivo daquelas perguntas. Não tinha sentido pra mim.
– Já. Eu conheci as duas, por um acaso, um dia que encontrei o Herman, num restaurante, quando você ainda estava em Paris... Ou Lyon, não sei mais.
– Por que as convidou para sua casa, na noite de Natal?


– Eu não convidei, Anjo. Elas vieram com o Herman. Ele sim, foi convidado.
– Ah... – Foi o que ela se limitou a dizer.


Em seguida, Aretha se soltou e  sentou na beira da cama.
– Você não acredita em mim. – Duvidei.
– Eu acredito. Você prometeu, eu acredito.


– Não é isso que parece... Porque não acredita em mim?
– Eu já disse que acredito. É só que... Aquela tatuada, a mais bonita... Não tirou os olhos de você a festa inteira...


– Eu não percebi. – Não era mentira, embora ela tivesse deixado tudo bem claro na hora de ir embora.
– E... Aquela hora que eu subi... Ela veio me interpelar, J...


– Como assim?! O que ela fez? – Eu fiquei intrigado.
– Não importa o que exatamente ela fez. O que importa é que ela queria tirar satisfações, como se fosse alguma coisa sua.


– Pelo amor de Deus, Aretha! Eu só a vi uma vez antes de hoje!
– Como ela sabia quem eu era?


– Anjo, foi o dia que você ligou pra avisar que ia desligar o celular. Ela ouviu nossa conversa. Ela te magoou, Aretha? O que ela fez? Por favor, me conte...
– Quando abri a porta do banheiro, ela estava plantada ali, me impedindo de sair. Eu não entendi.


– Ela avançou, me forçando a voltar. Cheguei a achar que ela queria alguma coisa comigo. Só que aí ela começou a falar que eu não devia te esnobar, que eu devia dar valor, que se eu não queria era só avisar, que ela acreditava que devia até ter fila... Bem... Se tiver mesmo, aposto que ela é a primeira!


– Deixa isso pra lá, Aretha, ela deve ter bebido demais... – Eu sabia que não, mas queria encerrar aquele assunto.
– Ela me pareceu bem sóbria... Eu te maltrato, J? – Ela emendou muito rápido, enquanto os olhos transbordavam. – Desculpa... Nunca quis, não foi minha intenção... Nunca poderia passar pela...


– Não, Anjo, pare! – Eu a interrompi. – Que bobagem descabida é essa?
– Não sei... Eu acho que às vezes passo do limite... Eu... Nem sempre ajo de forma pensada... Desculpa...


– Não tem do que se desculpar... A garota é maluca! Olha bem com quem ela veio...

Para meu alívio, Aretha sorriu da minha piada.


– Ela estava na sua casa, J... – Aretha tentou se justificar. – Ela tinha um jeito de ser tão... Descolada, tão entendida... Era tão sexy! Eu sou tão... “Noob”!
– O nome adequado é rodada, Aretha! E vulgar! Não tem nada de sexy nisso.


– Eu... Imaginei você com ela, Jack! Eu fiquei com nojo e com raiva... E então me senti horrível! Desculpe. É um ciúme tolo!

Como?! Ela estava se punindo, ao invés de me execrar?! Fizemos amor tão terna e loucamente havia algumas horas. Controversa... Eu jamais conseguiria decifrar Aretha.


Eu a puxei num abraço apertado.
– Eu te amo, garota. Como olharia pra qualquer outra mulher?
– Fala sério, J! Ela é perfeita. Um rosto lindo e um corpo escultural...


– Não é isso que estou procurando.
– O que está procurando então? – Ela fez um biquinho que eu quis morder.


– Nada. Eu já encontrei. A propósito... Não agradeci meu presente... Simplesmente espetacular! – Ela sorriu novamente. – Mas eu preciso retribuir à altura... Então... Além do box de colecionador da Jane Austen, e um frasco de “Ange ou Démon”...
– Meu favorito! – Seus olhos brilharam, agora de alegria, quando ela me interrompeu.


– É, eu sei... Então... Preciso saber se já resolveu onde vamos passar nosso réveillon.
– Já disse... Se for com você, vou pra qualquer lugar... Porque você não me faz uma surpresa?


– Não sou bom nisso, Anjo.
– É bom com presentes! Tenho certeza que vai acertar...


– Só me dê uma dica: “oba festa” ou “enfim sós”?
– “Enfim sós” é perfeito!



2 comentários:

  1. J falou: "eu sou mesmo um boboca..." Concordo! rsrsrsrsrs
    Aretha disse:"que ela acreditava que devia até ter fila... Bem... Se tiver mesmo, aposto que ela é a primeira!"
    Acho que a Deh diria: "Eu que sou a primeira, por direito e convicção!" rsrsrsrsrsrsrsrsrs

    Enfim sós é sempre a melhor opção!

    AMO!
    bjosmil! *.*

    ResponderExcluir
  2. Boboca foi modéstia dele... Ele tá mais para idiota mesmo! Haushuahsuahsuas! Eu tb acho que a Deh diria isso! D:

    Hashuahsuahsuahsauhs

    ResponderExcluir