Insônia

A notícia do namoro de Gabriel e Aretha acabou por abalar todo meu fim de semana. Não só pelas programações canceladas, mas pela conversa que eu não poderia evitar ter com Tara e Mark. Isso não me deixou dormir.

Quando Ana abriu os olhos pela manhã já me pegou de pé e vestido.

– Vai sair? – Perguntou ainda da cama.

– Não quero mais adiar isso, Ana. Vou ligar para Tara, saber se ela estará em casa hoje e vou lá. Não posso ficar sem dormir só porque o Gabe está namorando.

– Você não dormiu? – Ela forçou a vista na minha direção.

Eu estava com olheiras.

Sempre fui vaidoso. Nada doentio, mas sempre cuidei de mim e do meu corpo. Podia me orgulhar de chegar aos 43 tão em forma. E com mais disposição que alguns dos amigos dos meus filhos com certeza.

Mas não eram as olheiras que estavam me incomodando.

Passei a mão no telefone.

– Espera! – Pediu Ana, antes de levantar. – Você não vai pelo menos falar com o Gabe antes? Combinar? Talvez irem juntos...

– De que jeito, se mal consegui cruzar com ele desde sexta? Ele não pára em casa. Nem sei se veio dormir ontem.

– Então vai lá ver!

Guardei meu telefone e fui até o quarto de Gabriel. Ele dormia um sono profundo. Nem sinal de Aretha. Agradeci.

– Gabe! – Chamei e sacudi uma vez. Esperei.

Ele não se mexeu.

– Gaaaaaaabe! – Falei um pouco mais alto.

Ele abriu um olho e me mirou de lado, fazendo uma careta.

– Que foi, pai?

– Levanta. Nós temos um compromisso.

– Pô, pai! Não pode ser um pouco mais tarde? Eu acabei de dormir.

– Você me pediu ajuda, não foi? Então! Antes que você suma de novo, vamos resolver tudo de uma vez. Vamos lá falar com a Tara e o Mark.

O rosto de Gabe mudou, adquirindo um semblante abatido e derrotista.

– Ah... Nem precisa.

– Como assim, não precisa?
– A gente brigou ontem de noite, pai. – Disse baixando gradativamente o tom da voz. Eu quase não ouvi a última palavra.

Emudeci. Foi uma sensação estranha e fugaz. Estranha porque ao mesmo tempo em que senti alívio, senti sua dor. E fugaz, porque não demorei a perceber que não era definitivo.

 Ele se sentou na cama, e eu sentei ao seu lado.
– O que foi que aconteceu?
– Ah, pai... A Aretha é tão... – Impetuosa, completei mentalmente. – Linda... – Ele completou verbalmente. – E sensual... e... – Atrevida, pensei novamente. – Ousada...
A imagem de Aretha descrita por Gabriel me cegou e eu a censurei veementemente.

– Isso não explica nada, meu filho.
– A gente tava ontem lá na balada, né... “Mó” vibe... Aí a gente descolou um canto pra curtir. Pô, a gente tava lá na maior pegação... Pai... A Aretha me deixa louco, é sério...

– Essa parte eu entendi, filho, que tal você resumir? – Eu estava incomodado. E não sabia o motivo. Isso me incomodava ainda mais.
– Então... Eu tava lá cheio de gás, crente que ia ser nossa primeira vez, e talz... Mas...
Eu agradeci o “mas” em silêncio. – Aí ela me confessou que ela nunca fez...

– Hã?! – Esse “hã” pode ter uma centena de significados. Não descarto nenhum deles.
– Pô, se liga, pai! Ia ser a NOSSA primeira vez e a DELA!

– Ah! – Caiu a ficha. Mas eu não sabia o que dizer.
– É... Foi mais ou menos essa aí a minha reação... – Ele se entristeceu novamente. – Você viu o jeito dela pai...

É. Não dava pra não notar.

– Eu nunca podia imaginar... Disse pra ela que não queria que fosse assim... Que primeiro ela tinha que ter certeza, e depois que tinha que ser especial... – Continuou, me deixando tonto. – Ela disse que se eu a amava seria especial, não importava o lugar! Que ela me amava e que estava pronta. Que tinha certeza...

E então eu já sabia. Conhecia Gabe o suficiente para saber.

– Eu fui sincero com ela, pai. Disse que não sabia se amava... Ainda... Pai, não tem nem um mês que a gente ta junto... Como posso ter certeza que a amo?

Definitivamente, eu não era a pessoa certa pra ele fazer essa pergunta. Eu só tive certeza do meu amor quando já tinha perdido.

– Não tenho a resposta pra isso. – Lamentei. – Só você pode sentir.

– Ela ficou magoada. E chorou... E eu me senti péssimo. Cheguei a me arrepender de não ter mentido na hora, mas... Eu fiz certo. Não fiz, pai?

Eu não tinha nenhuma dúvida quanto a isso agora, é óbvio. Mas na sua idade eu não era igual a ele. Não teria hesitado em satisfazer os desejos dela, muito menos os meus. Novamente não me sentia digno de aconselhá-lo. Mas tinha que fazê-lo.

– É claro que você fez o certo, meu filho.
– Então porque ela está zangada comigo?

– Porque ela não entendeu, Gabe. Mas vai. Assim que ela parar e raciocinar ela vai entender.
– A gente sempre foi amigo... Achei que podia ser sincero com ela. Porque as mulheres tem que ser tão absurdamente incompreensíveis?

Agora ele não estava mais se referindo apenas a Aretha. Mesmo assim, essa era outra pergunta que eu não sabia responder.

– Filho... Porque não vamos ao clube? A gente pode pegar uma piscina, fazer uma sauna... Que tal?
– Ah... Nã... – Recusou. – Vai aproveitar a companhia da Ana, pai... Não é sempre que ela ta aí... Dando sopa.

Foi uma brincadeira dele, mas sempre era como um tapa na minha cara. Porque nunca dei valor. Não o valor que ela merecia.

– Tenho certeza que a Ana vai adorar qualquer programa que fizermos.
– Fala sério, pai! Se tivesse uma mulher daquelas, deitada na minha cama eu não teria motivos pra sair do quarto. – Ele me lembrou mais uma vez o quão ingrato eu conseguia ser com a Ana.

– Gabe! – Eu o repreendi, surpreso com sua forma de falar.
– Ah, pai! Qual é? Numa boa, eu nunca entendi...

Provavelmente eu também não.

Então foi isso... Com exceção de Júlia, que saiu cedo com Helio, passamos o domingo em casa. Gabe fechado em seu quarto, curtindo sua fossa particular. Eu e Ana no meu, enroscados e matando a saudade. 

Na segunda-feira pela manhã a casa estava vazia e eu estava sozinho outra vez.