Maioridade

Nas semanas seguintes, minha vida passou do status “monótona” para “perigosamente entediante”. Pensei várias vezes em comprar um cachorro. Mas tenho medo de nem dele saber cuidar. Ser rejeitado pelo próprio cão poderia me levar a loucura.

Os únicos momentos divertidos que eu tinha eram as ligações de Aretha. Ela é uma menina engraçada. Liga pra falar qualquer tipo de bobagem ou amenidade. Acho que começou a fazer isso pra compartilhar comigo o vazio deixado por Gabriel.

Das últimas vezes, ela sempre me lembrava de sua festa de aniversário. Eu não estava com a menor disposição para ir, pra falar a verdade, mas sabia que ela não ia me perdoar, ainda mais porque Gabe não iria. E no fim, era uma oportunidade de sair desse marasmo e rever alguns amigos.

– Você não vai esquecer, não é, Jack?
– Nem poderia, com você ligando toda hora pra me lembrar...

– Não sei quem ta mais ansioso, se é o Thales ou se sou eu...
– Com certeza é você, anjo.

– Tem razão, sou eu! Ai, Jack! Está ficando tudo tão legal! Vamos abrir aqui embaixo, vai ficar uma enorme pista de dança... Você vai conhecer minha casa na UNESim!

Aretha emendava um assunto no outro, muitas vezes eu perdia o fio da meada. Mas eu não tinha vontade de desligar.

Eu vesti qualquer coisa. A vontade de ir brigando com a vontade de não ir.

Não levei mais de 20 minutos do momento que entrei no banheiro até estar com as mãos no volante do carro.
Pedi forças e virei a chave. Agora seja o que for.

Já havia movimento e carros estacionados quando eu cheguei. Com certeza os pais dela já estariam aí. Cheguei a engatar a ré. Eu estava parecendo um idiota. Do que eu estava fugindo? De qualquer forma, eu me achava completamente fora de contexto sem meu filho naquela festa.

Acabei dando sorte. Herman chegou junto comigo e estacionou logo atrás. Pelo menos eu não entraria sozinho na festa. Apesar de não poder chamar meu brother de companhia. Não exatamente.

– Fala, loiro! – Ele me cumprimentou. – Ta gatão, heim! Mal intencionado com as ninfetas?
– Ai, Herman! Você não vai crescer nunca?!  São meninas, ta maluco?

– Ah, Jack, sem falso moralismo pra cima mim, falou? Já tivemos essa idade... Sabemos bem o que fazíamos...
– Você vai entrar, ou o quê? – Cortei o assunto, antes mesmo que ele começasse.

Nós seguimos pelo caminho da entrada, até a porta.
Acho que Aretha nos viu chegar através do vitral, porque antes de batermos ela veio em nossa direção. Na verdade, na minha. Ela estava lindíssima num vestido berinjela que contrastava com a sua pela tão clara.

Não parou, não disse “oi”, como já era sua mania. Sequer percebeu a presença de Herman. Simplesmente pulou no meu pescoço.
– Jack!!! Não acredito que você veio!

– Mas eu disse que vinha, anjo...
– Mas eu não achei que viesse mesmo assim...

Pela minha visão periférica, pude sentir a expressão de choque seguida de uma compreensão estampada na cara de Herman.

– Porque achou isso? – Perguntei.
– Ah, sei lá... Depois da história que mamãe me contou... Eu achei que você poderia não se sentir a vontade. – Ela não estava errada.
– Parabéns, Aretha! – Herman se fez notar.

– Ah! Tio Herman! Oi... Err... Obrigada! – Respondeu desconcertada, dando um beijo em seu rosto.
– Feliz Aniversário, Aretha... – Emendei.

– Obrigada, Jack! Vamos entrar... Já tem um monte de gente aí...
– Isso, Aretha! – Disse Herman. – Quero cair na pista! O tempo passou, mas o tio continua adorando uma balada!

Aretha virou e seguiu na frente. Dando oportunidade a Herman de acabar comigo.
– “São só meninas, Herman!”... O que foi isso, meu camarada? A guria é filha da Tara, você lembra? – Cochichou.

Era impossível não associar uma coisa à outra.

Eu respondi observando Aretha se afastar:
– Cala a boca, brow, você não sabe o que está falando! Nem pense nisso!

Estava cheio. Pessoas dançando pessoas bebendo, pessoas conversando. Na maioria conhecidos. Pareciam estar se divertindo. Falaria com eles ao longo da noite.

Com exceção, é claro, do Senhor e da Senhora Perfeitos. No mínimo, os pais dos aniversariantes eu tinha que cumprimentar.